Peça uniu de forma inteligente a obra de Suassuna com a inauguração do teatro de Bela Vista

Três crianças encontram um baú que pertencia ao avô deles. Dentro, estava um jornal de 1962 e o roteiro de O Auto da Compadecida. Assim, eles descobrem que o avô foi ator na primeira peça a ser apresentada no teatro municipal de Bela Vista do Paraíso. Daí em diante, esses papéis que narram a história trazem, à cabeça do neto, as Memórias da Compadecida.

A peça apresentada no sábado (23) trouxe um recorte da obra de Ariano Suassuna mesclada com a história da primeira apresentação feita no teatro Geraldo Moreira. Foi a forma encontrada por um grupo de atores amadores da cidade, sob a direção do técnico de cultura Diego Zadra, para apelar à memória nesta comemoração de 74 anos da cidade e de um ano de inauguração do Sesc, que entregou um teatro reformado e funcional.

Foto: Rafael Osaku Leite

O diretor explicou que não queria apresentar a peça original e ter que explicar porque ela foi escolhida. Assim, a nova versão entrelaça narrativas e deixa a intenção explícita logo no começo. Isso permitiu trazer a ficção de Suassuna abraçada à história do Geraldo Moreira diretamente para os dias atuais.

Quando o neto mais velho (Flavio de Lima Moraes) mergulha nas memórias, ele dá o pontapé inicial da história. Surge o Diabo (Fabrício Rabelo Aroni) querendo levar todos para o inferno, e surge Jesus, o Emanoel (Ezio Pires Neto), para julgar os personagens. Ali estão João Grilo (Flavio de Lima Moraes), Chicó (Henry Nakasato Wilezelek), o padeiro (Ezio Pires Neto) e sua mulher (Ana Regina Juliani Barbão), o padre João (Natália Palú Rodrigues) e o bispo (Jackeline de Souza Pires), personagens do clássico contado em minissérie e filme.

Em uma espécie de metalinguagem, os personagens encenam trechos de suas vidas, em um flashback no qual o diabo tenta apontar seus erros como um acusador que busca suas condenações. Um julgamento cuja pena é cumprida no inferno. E se há um acusador, João Grilo trata logo de apelar a quem lhe defenda. Assim, Nossa Senhora Aparecida (Maria Helena Serafim) entra na história para interceder por todos.

Foto: Filipe Muniz

A construção do roteiro, feita em conjunto, foi inteligente. Nessa versão, os oito atores amadores puderam ser vários personagens porque a história permitia. Focando apenas no trecho da obra original que trata do julgamento, o trabalho não exigiu muitos atores; os oito integrantes deram conta. Com os flashbacks, a história ficou dinâmica. Houve momentos engraçados e de expectativa, na grande imersão que o teatro propicia.

Após tantos meses de dedicação, o resultado não poderia ser outro. A peça terminou ovacionada, com a plateia aplaudindo de pé. Bela Vista do Paraíso pode se orgulhar de ter novamente um teatro. E lutar para que mais peças sejam apresentadas e que o Geraldo Moreira seja um dos palcos da cultura na cidade.

Foto: Filipe Muniz