Quem entrasse no prédio do Departamento Municipal de Assistência Social, no centro de Bela Vista do Paraíso, nesses primeiros dias de 2022, poderia pensar que ninguém voltou do recesso de final de ano. E é mais ou menos isso, mesmo. A diretora pediu demissão em dezembro, a n.º 2 da pasta já havia pedido, e o responsável pelas finanças saiu de férias até maio. Mas o prédio vazio é apenas um sintoma do desmonte da Assistência Social, que ocorreu no último ano.
Para entender o problema, o Telégrafo conversou com dez pessoas ligadas a esse assunto, a maior parte em condição de anonimato. Conforme os relatos, tudo começou logo no início da administração. Foi quando, por motivos políticos e conflitos pessoais, houve um ‘limpa’ no departamento.
SERVIDORES REMOVIDOS
A diretora da administração anterior, Angelica Furlan, assistente social concursada, foi removida para a Saúde. A então técnica do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), Bruna Tavares, psicóloga concursada que respondia pelo setor, foi removida para a Educação.
Além disso, a técnica da gestão, que era comissionada, também saiu na troca de administração. Duas contratadas, uma psicóloga e uma assistente social, que ficaram da administração anterior, eram vistas com desconfiança e havia conflitos sobre como gerir a pasta. Elas acabaram sendo transferidas do departamento, onde fica a parte administrativa, para o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), em Santa Margarida.
Tudo isso, conforme o relato das fontes, impediu que houvesse a continuidade da gestão. Ao renovar quase toda a equipe, não sobrou quem pudesse ensinar aos novos contratados como o trabalho era feito, ou ajudar na transição.
“A gente tinha estrutura para continuar redondo o trabalho, mas tiraram todas as pessoas. Isso gerou um rombo que eles não deram conta de arrumar. Completou um ano e não deram conta de arrumar nada”, disse uma das fontes.
Questionado sobre se foi uma decisão correta retirar quase todas as pessoas que já estavam na Assistência Social, o procurador-geral do município, Alisson Dias, disse que a administração deu liberdade para os gestores de cada pasta.
“Nós optamos por dar respaldo para os diretores, para cada um fazer como achava correto. Houve uma política de renovar, e a gente esperava que seria assim. Porém, não ocorreu como planejado. Agora, vamos montar uma equipe técnica para que, se no futuro a diretora não permanecer, a gente já tenha uma equipe técnica montada”, contou.
EXONERAÇÕES
A primeira diretora da Assistência Social foi Andreia Fávaro Turate. Ela deixou a função após nove meses. Procurada à época, Andreia não quis comentar o motivo de sua exoneração. Segundo Alisson, ela decidiu sair porque fazia parte de projetos sociais que não conseguia conciliar com o cargo.
Para o lugar dela seria nomeada a atual coordenadora da atenção básica do Departamento de Saúde, Renê Tramontina. Conforme os relatos, ela se despediu da equipe da Saúde e foi para o novo cargo. Porém, começou de manhã e só ficou até o horário de almoço. A nomeação não aconteceu oficialmente. “Foi um convite. Eu fui conhecer o serviço e vi que não era para mim. Achei melhor não aceitar por eu não ter formação para isso”, explicou Renê.
Quem acabou assumindo foi a assistente social Mayla Aparecida Valentin Gonçalves, moradora de Londrina, que já era a técnica da gestão de Turate. No entanto, Mayla também decidiu sair, após menos de três meses. Deixou um cargo com salário de R$ 3,7 mil líquidos, mesmo sem ter outro emprego em vista.
Ao Telégrafo, ela também não quis detalhar os motivos da sua saída. “Penso que os motivos que me fizeram sair, pelo menos agora, não fazem mais diferença. Não tem mais o que possa ser feito, não por mim pelo menos. Mas foi ótimo o tempo que passei aí. Só tenho gratidão”, afirmou.
Mayla, que já trabalhou no CRAS de outros municípios, disse que gosta mesmo “de fazer o trabalho técnico, atender a população” e que vai em busca disso.
“No início tivemos um pouco de dificuldade. Quando a Andreia começou a montar equipe, teve que se afastar. Começou a montar de novo e a Mayla pediu para sair. Agora, já falamos que a nova diretora tem que entrar e ficar, para colocar nos trilhos de novo”, disse Alisson Dias.
TÉCNICA
Na função de técnica da pasta, o braço direito da direção, também houve uma dança das cadeiras, conforme as fontes ouvidas. Uma pessoa escolhida ficou um dia. A outra, um mês. Logo depois, Mayla assumiu. Quando ela virou diretora, uma assistente social de Londrina que estava responsável pelo CREAS se tornou técnica da gestão. Porém, pediu demissão em dezembro, por ter recebido uma proposta de trabalho “melhor, mais perto de casa e com condições de trabalho melhores”, de acordo com ela.
Como consequência, houve várias trocas nas outras unidades. No CRAS, a coordenação é cumprida de maneira irregular desde o começo de 2020. Conforme a lei municipal nº 1.177/2017, a coordenação deve ser exercida por uma pessoa concursada, com formação superior e experiência. No entanto, todos os nomeados eram profissionais contratados, sem concurso.
Por um período breve, uma assistente social que havia sido contratada pela administração anterior cumpriu a função de coordenadora. Ela tinha conflitos com a gestão, por causa das ingerências políticas e da forma assistencialista de conduzir os trabalhos. Por esses e outros motivos, acabou pedindo demissão, conforme o Telégrafo apurou.
Porém, enquanto ela exercia, quem estava realmente nomeada para a coordenação do CRAS, pelo Decreto Municipal 113/2021, assinado em abril, era outra pessoa, que, na verdade, trabalhava na supervisão do Programa Criança Feliz. O decreto continua em vigor, mas a profissional nomeada está atualmente trabalhando na recepção, cobrindo férias de outra funcionária, e não exerce, ou exerceu, a coordenação, segundo as fontes.
Alisson Dias afirmou que a prefeitura está buscando regularizar a situação. No final do ano passado, na lei que reorganizou os cargos públicos, foi incluída a possibilidade de que a coordenação possa ser exercida por servidor não concursado.
“Provavelmente será uma assistente social que vai assumir a coordenação do CRAS, por causa desses motivos”, afirmou.
FINANCEIRO
O prédio vazio do departamento também revela outro problema. Conforme apurado com algumas fontes, o responsável pela parte financeira e de prestação de contas da Assistência Social, Nilton Augusto Marques de Oliveira, tirou vários meses de férias que estavam acumuladas. Neste ano, a administração mudou a lei e, caso os servidores não tirem férias, elas são perdidas.
O problema é que a prestação de contas anual ao Governo Federal, que era feita por Nilton, deve ser enviada até o final de janeiro. Sem isso, recursos poderiam deixar de ser enviados para Bela Vista. Isso sem falar na prestação de contas de recursos estaduais, que é semestral.
Porém, segundo Alisson, a prefeitura já tem outro servidor concursado para colocar no lugar dele, o que deve resolver a questão.
ALTA PROCURA
A desestruturação da Assistência Social não poderia ter vindo em pior hora. Devido à pandemia de covid-19, a demanda de atendimento aumentou. Diversas famílias procuram o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) por precisarem de ajuda. Mas na contramão da demanda, a equipe diminuiu.
Um dos serviços que funcionam é o de concessão de benefícios eventuais, principalmente a distribuição de cestas básicas. Mas até aí já houve problemas. Fontes relataram pressão política de comissionados para que distribuíssem cestas a pessoas indicadas, sem passar pela triagem dos técnicos.
O procurador-geral do município disse que a administração não tem conhecimento desse tipo de pressão política e vai analisar a situação.
Muitos dos relatos, foram no mesmo sentido: a falta de conhecimento sobre o que é a assistência social leva a administração a achar que basta entregar cestas básicas para cumprir com esse setor do serviço público. “Não é só dar uma cesta básica e dar tchau para a família”, comentou outra fonte.
O fato é que a quantidade de pessoas procurando alimentos aumentou muito e a equipe só consegue trabalhar nisso. Com os poucos servidores atuais trabalhando na distribuição de cestas básicas e outros benefícios eventuais, ficam em segundo plano serviços muito importantes da Assistência Social.
É o caso do PAIF (Programa de Atenção Integral à Família). “O trabalho principal do CRAS é trabalhar a questão do PAIF, a prevenção de situações que venham a fragilizar os núcleos familiares e comunitários”, explicou Mayla.
“Com a pandemia, a gente teve aumento expressivo dessa demanda, não só em Bela Vista como em outros municípios. Com certeza vai ter que se pensar nesse aumento de equipe”, avaliou a ex-diretora. Outras fontes ouvidas também relataram a necessidade de reforçar a equipe para suprir a demanda de forma adequada.
Já o procurador-geral do município foi em sentido contrário. “A gente conversou com o pessoal para saber o que está faltando. Eles nos passaram que no CREAS e CRAS falta apenas a coordenação. Que o pessoal que está lá dá conta do recado”, disse.
PROGRAMAS
Sem coordenação, o programa Nossa Gente, do Governo do Paraná, está parado em Bela Vista. Segundo a Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho do Paraná, o município aderiu ao programa e “o Termo de Adesão encontra-se no Gabinete para assinatura do Secretário”.
Esse programa visa a superação da pobreza, trabalhando ações conjuntas da Assistência Social com as áreas de Educação, Habitação, Saúde, Segurança Alimentar e Trabalho.
Outro programa que existia em Bela Vista era o Criança Feliz, do Governo Federal. Visitadores contratados faziam visitas domiciliares às famílias participantes do Cadastro Único. As equipes acompanhavam e davam orientações para fortalecer os vínculos familiares e comunitários e estimular o desenvolvimento infantil.
O Ministério da Cidadania informou que Bela Vista aderiu ao programa em 2017. Pela parceria já foram atendidas pelo menos 286 crianças e 25 gestantes, de 284 famílias. Porém, o Criança Feliz foi encerrado no município no final do ano passado.
O programa era controverso. Algumas pessoas ouvidas acreditam que se bem executado ele traria resultados e que, sem ele, o município abre mão de uma quantidade considerável de recursos federais que vinham para custeá-lo. No entanto, havia discussões entre os assistentes sociais sobre a efetividade do Criança Feliz, os seus métodos e até mesmo se ele deveria ser parte da Assistência Social, ou da Saúde.
Segundo Mayla, o programa não se efetivou e a proposta de encerrá-lo no município foi aprovada pelo Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS).
Já Alisson disse que existe a intenção de aderir a programas sociais. “Pelo que estou sabendo, serão reativados alguns programas. Como é verba vinculada, provavelmente vai ser contratado de novo. Por exemplo, para o Criança Feliz”, disse.
ADMINISTRAÇÃO
Para as várias pessoas ouvidas pelo Telégrafo, uma das raízes desses problemas está na falta de compreensão, por parte da administração, do que é a Assistência Social.
“Eu acho que falta muito entendimento do que é assistência social, da sua importância, do impacto que tudo isso gera na vida da população de Bela Vista. Não foi por falta de serem convidados, tanto executivo quanto legislativo, para conhecer a política de assistência social. Em uma das oportunidades, só compareceu a vice-prefeita e um vereador”, contou uma das fontes.
Porém, Alisson afirma que o próprio prefeito, Fabrício “Jacaré” Pastore, visitou a Assistência Social diversas vezes e tem interesse pela pasta.
“Só comigo o Jacaré já foi umas quatro vezes. Mas a gente chegava lá e estava dentro da normalidade. Quando chega para a gente que está faltando alguma coisa, nós corremos atrás. Só não esperávamos que haveria mais uma desistência na secretaria. É por isso que estamos nessa situação”, contou.
Outro problema é a forma de contratação, que muitos profissionais acabam aceitando, mas deixam a função assim que conseguem uma proposta de trabalho melhor. “O contrato é chamamento público, sem estabilidade, sem nenhum direito trabalhista. Isso impacta em todo o trabalho”, disse uma fonte que passou por essa situação. Assim, a troca constante de servidores impede a estabilização e continuidade dos trabalhos.
A contratação por chamamento já é feita há alguns anos. Alisson afirmou que isso vai mudar e que a contratação por PSS (Processo Seletivo Simplificado) será uma tendência no município, para que os contratados tenham direitos trabalhistas, como 13º salário e férias.
NOVA DIRETORA
Buscando resolver os problemas, a prefeitura já tem uma pessoa escolhida para ser a nova diretora da Assistência Social. Trata-se da administradora de empresas Celimar Luzia Scamaral Anizelli, cuja nomeação deve sair nos próximos dias.
De acordo com a administração, o objetivo é buscar estabilidade. A previsão é de que os cargos da nova gestão estejam preenchidos até a próxima semana.
“A Secretária muito provavelmente já vai trazer a assistente social (técnica da gestão), nós já vamos direcionar o administrativo e provavelmente na semana que vem já estará montada a equipe”, concluiu Alisson.