Lei coloca regras para o corte de energia e água por falta de pagamento em Bela Vista; entenda

O prefeito de Bela Vista do Paraíso, Edson Vieira Brene, sancionou nesta quinta-feira (20) um projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal que proíbe que as empresas distribuidoras de energia elétrica e água façam o corte do serviço, por falta de pagamento, nas sextas feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriados.  As regras definidas no legislativo municipal tiveram como base uma lei estadual, cujas regras são alvo de discussão jurídica em todo o Estado e já foram parar no Supremo Tribunal Federal. Entenda abaixo o porquê.

Publicado no Diário Oficial, o projeto do presidente da Câmara, Rondinele Beluci Meira (PROS), se converteu na Lei 1.220/2018. Além de proibir a interrupção, o texto estipula que as empresas devem afixar quadro em suas sedes no município, informando aos consumidores sobre os direitos estabelecidos na mesma lei. Também está prevista a possibilidade de as pessoas que se sentirem prejudicadas acionarem a justiça contra as empresas, além de multa para o caso de descumprimento.

Para Rondinele, a lei municipal vai ao encontro do interesse da população, já que a interrupção do fornecimento nesses dias gera transtornos para o cidadão. “Pode causar um transtorno muito grande para as famílias. Imagine se tem um feriado na sexta-feira, e corta na quinta-feira. A pessoa fica sem água ou sem luz na quinta, na sexta, no sábado e no domingo. Imagine o transtorno que vai ser”, argumentou. Para ele, as empresas podem se organizar facilmente para cumprir as regras da lei.

Outro lado

As mudanças previstas na lei municipal são controversas, principalmente em relação ao setor de energia. A Copel argumentou, em nota enviada ao Telégrafo, que o fornecimento de energia elétrica é uma concessão federal e que essas alterações só podem ser feitas pela União.

Na condição de concessionária de serviços públicos de energia do Estado do Paraná, a empresa está sujeita à legislação do setor elétrico brasileiro, especialmente à Resolução 414 de 09.09.2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica. Como a resolução prevê a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica por inadimplência em dias úteis, das 8h às 18h, a tentativa de alteração via lei municipal dos dias e horários em que o serviço pode ser executado resulta sem efeito.”, diz o texto.

Já a Sanepar informou, também em nota, que “não foi comunicada oficialmente sobre o conteúdo da lei proposta, irá analisar e se manifestar oportunamente.”

Foto: Reprodução

Descumprimento

A legislação aprovada em Bela Vista é baseada na lei 14.040/2003, de autoria do deputado estadual Ademir Bier (PSD). Em várias cidades do Paraná, as regras estabelecidas são alvo de um cabo de guerra entre os municípios e as empresas, com a participação da justiça.

Em Londrina, no final do ano passado, a Câmara Municipal aprovou projeto similar. Um documento da Assessoria Técnico-Legislativa apontou que a lei municipal não poderia criar regras para empresas que não são de sua esfera de atuação. “Ainda que o projeto prospere […] o Município estará impedido de estabelecer penalidades aos órgãos de outra esfera de governo, tornando a iniciativa inócua e, portanto, desnecessária”, afirma o texto, recomendando que o projeto não tramitasse. A Comissão de Administração, Serviços Públicos e Fiscalização, no entanto, não concordou com o parecer técnico. O projeto foi aprovado e converteu-se na Lei 12.611/2017.

Em Maringá, o juiz substituto Fabiano Rodrigo de Souza, da 1ª Vara da Fazenda Pública concordou com o Procon e proibiu a Copel de cortar energia elétrica nos dias proibidos pela legislação estadual. Ele fixou multa de R$ 5 mil por cada descumprimento da empresa. A decisão foi tomada em setembro de 2017. Em agosto do mesmo ano, a Copel já havia sido multada pelo órgão de defesa do consumidor. Já o Tribunal de Justiça do Paraná concordou com os argumentos da Copel e derrubou a decisão do juiz substituto.

O desembargador Renato Braga Bettega afirmou que “ao que tudo indica e considerando a existência de precedentes vinculativos em sentido idêntico, a Lei Estadual no 14.040/2003, é inconstitucional”.

Na Câmara Municipal de Bela Vista do Paraíso, a Comissão Permanente de Legislação, Justiça e Redação – composta pelos vereadores Fernando Menck (SD), Alex Pinheiro (PSB) e Elisete Amaral (PPS) – opinou de forma unânime pela “constitucionalidade, legalidade, juridicidade e adequada utilização da técnica legislativa e no mérito” do projeto de lei.

O relator do caso no STF é o ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Supremo Tribunal

A disputa jurídica iniciada no Paraná foi parar no Supremo Tribunal Federal. A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5961, que contesta trechos da lei estadual 14.040/2003. A Abrade argumenta que as normas estaduais usurpam a competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica, os direitos dos usuários e matéria de direito civil, já que a lei prevê a extinção da dívida no caso de descumprimento. Já a Assembleia Legislativa do Paraná defende a tese de que legislou sobre o direito do consumidor, e não sobre energia elétrica.

A ADI 5961 tem como relator o ministro Alexandre de Moraes. Em manifestação protocolada na quinta-feira (13) a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, escreve que “não cabe aos Estados interferir na forma de prestação e suspensão do serviço de energia elétrica já regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)”. Assim, a PGR apresenta parecer “pelo conhecimento parcial da ação e pela procedência parcial do pedido”. Não há previsão de quando haverá o julgamento da ação.