Durante obras, 15 ossadas humanas são encontradas no Rio

Tomaz Silva/Agência Brasil

Em uma cidade que viveu obras constantes para os grandes eventos dos últimos anos, fazia tempo que um canteiro no centro da cidade não chamava tanta atenção. A descoberta de 15 ossadas humanas no percurso da nova linha do veículo leve sobre trilhos (VLT) do Rio de Janeiro concentrou curiosos na Avenida Marechal Floriano, enquanto arqueólogos meticulosamente tomavam notas e trabalhavam na coleta de informações para a retirada de parte dos restos mortais.

Os corpos encontrados foram deixados para trás quando a Igreja de São Joaquim foi destruída em 1904, em meio às reformas urbanas do prefeito Francisco Pereira Passos. Construído em estilo barroco, o templo seguia a tradição católica da época de sepultar fiéis abastados no interior de sua estrutura, o que faz com que os pesquisadores acreditem que os corpos sejam de membros da elite carioca de outras épocas.

Três dos 15 esqueletos já foram retirados pela empresa Artefato Patrimônio Arqueológico, contratada pela concessionária VLT Carioca para cuidar de todo o material de importância histórica que se esperava encontrar no caminho dos bondes. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) acompanha o trabalho e determinou que o destino final dos corpos será a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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Coordenadora da pesquisa arqueológica, Madu Gaspar contou que a as ossadas precisarão ser levadas para um local onde possam secar lentamente, porque o solo do Rio de Janeiro é repleto de umidade, o que atrapalhará a conservação.

“O Rio tem uma história antiga. Se for aberta qualquer via, aparecerão indícios e testemunhas das antigas ocupações. Não só as coloniais, como as pré-coloniais, antes da invasão europeia”, disse ela, explicando que o trabalho não é apenas retirar os restos mortais das covas. “É um trabalho muito lento. Os ossos são frágeis e têm que ser trabalhados com muito cuidado. É preciso fazer um bom registro, com desenhos, fotografias e tomadas topográficas para que possamos juntos reconstruir essa história”.

O arquiteto do Iphan Paulo Vidal destacou ainda que a igreja demolida tem sua história intimamente ligada à do Colégio Pedro II, que fica ao lado das escavações. Pesquisadores relacionam a fundação do colégio à estrutura do Seminário de São Joaquim. Quando o império inaugurou o colégio, em 1837, foi rezada uma missa com a presença da família real, e Pedro II, na época com 12 anos, era um dos presentes.

“Houve uma missa, como era de praxe, e provavelmente a missa foi aqui na Igreja de São Joaquim. A igreja tem uma série de histórias para ser contada a partir desses achados”, disse Paulo.

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Cemitério de escravos

Para preservar ao máximo a história no trajeto do VLT, o Iphan vem recomendando cuidados como lajes menos profundas para os trilhos e pequenos desvios. Além da Igreja de São Joaquim, foi localizada uma parte do passado escravagista do Brasil no caminho do VLT. No Largo de Santa Rita, a metros de distância, foi encontrado um cemitério para pessoas traficadas da África para trabalhos forçados no país.

No caso desse cemitério, Paulo conta que a opção foi manter os corpos no local e não fazer intervenções. Além disso, será sinalizada a presença do cemitério por uma questão de respeito à memória e conscientização. “Lá há uma questão diferente porque temos uma comissão onde os representantes de entidades de matriz africana participam e decidimos que vamos mexer o mínimo possível no cemitério. Há uma questão do respeito à ancestralidade que é inerente à cultura africana”.

Estudos indicam que os africanos mortos nos tumbeiros ou ao chegarem ao Rio eram enterrados em frente à Igreja de Santa Rita, atual Largo de Santa Rita, entre 1722 e 1769. O local ficava perto do mercado de escravos da Praça XV e distante do Largo da Carioca, onde ficava a nobreza. Os corpos teriam sido descartados em covas rasas, muitos, cobertos de doenças, como as bexigas de varíola, provocadas pelas péssimas condições do translado.

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Curiosidade

O trabalho dos arqueólogos reuniu cariocas que viram as notícias sobre os corpos na TV e na internet. A técnica de enfermagem Gislaine Cristina, de 55 anos, estava levando o filho para resolver questões burocráticas no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e parou para acompanhar as escavações. “Não me surpreendeu porque já se tinham feito outras descobertas como no Cais do Valongo, mas foi a oportunidade de ver perto”, disse ela.

Enquanto tentavam identificar se os corpos eram de crianças ou adultos, pelo tamanho, os pedestres apontavam e faziam fotos. “A igreja ficava no meio do caminho. Derrubaram e asfaltaram. O que estava embaixo ficou”, disse o aposentado Paulo Rosário, de 58 anos.