Rodando pelo país, os caminhoneiros muitas vezes descobrem na estrada, longe de casa, que contraíram o coronavírus. Como não podem se hospedar em hotéis de rodovia, seja por estarem doentes, seja por não terem dinheiro, acabam tendo que cumprir a quarentena na cabine do caminhão. Esse drama foi retratado em matéria da Folha de São Paulo, publicada neste domingo (16). O principal personagem foi o caminhoneiro de Bela Vista do Paraíso Jeferson Belomi, de 53 anos, que contraiu a Covid-19 a 1.796 quilômetros de casa, e viveu a infecção nas estradas, até conseguir retornar para casa.
Em entrevista a Daniel Carvalho, da Folha, Belomi relatou que, em julho do ano passado, descarregava seu caminhão em Vila Rica (MT), a 1.796 quilômetros de Bela Vista, onde mora. Ele disse que, terminado o serviço, foi dormir, e acordou mal.
“Cheguei de arrasto no hospital. Estava com 39 graus de febre, a pressão alta. A médica tirou radiografia do pulmão, estava todo manchado. Pediu exames de sangue, deu remédio para baixar febre e disse que ia me internar”, disse Belomi à Folha.
O exame de Covid ainda demoraria a ser feito porque o material para coleta tinha que ser solicitado em Cuiabá (MT), a 1.117 km de lá.
Os primeiros resultados dos testes realizados no hospital indicaram uma infeção urinária, mas depois veio também a confirmação de que o caminhoneiro havia contraído o coronavírus.
Belomi disse ter ficado 15 dias internado, mas ainda estava fraco para enfrentar as mais de 24 horas de estrada para casa. Sem poder continuar no hospital até se restabelecer completamente, foi para a cidade vizinha de Confresa (MT), a pouco mais de uma hora de distância.
Foram três dias morando na cabine de seu caminhão, encostado em um posto de gasolina. Mesmo sabendo que estava curado, o caminhoneiro e seus colegas ficaram receosos. Conversavam usando máscara, de longe, embora os parceiros sempre fossem até a cabine levar quentinhas para ele. Belomi só deixava o veículo para tomar banho nas instalações do posto.
“Eu estava sem condições de ir embora. [Estava a] 1.800 km da minha cidade. Meu caminhão é velho. Se colocasse uma outra pessoa que não tivesse noção de tocar devagarzinho, ele quebrava, porque é fraco. Além disso, eu estava sem óleo, sem dinheiro, estava fraco. Nem andar direito eu conseguia.”
Com a ajuda de colegas, carregou o caminhão e, lentamente, voltou para casa, em mais três dias de viagem. Apesar de ter chegado a Bela Vista do Paraíso em uma manhã de domingo, só teve coragem de voltar para casa na tarde de segunda, depois que o resultado de um novo teste de Covid saiu, garantindo que ele não era uma ameaça para a saúde de seus parentes. Mesmo assim, disse que procurava ficar de máscara e afastado.
O caminhoneiro conta que outros colegas seus não tiveram a mesma sorte com a Covid. “Já presenciei muita gente com sintomas. Um morreu, outros a família teve que buscar. Perdi muito amigo meu”, relatou.
Ele conversou com a Folha, por telefone, no início da tarde de quarta-feira (12), no intervalo de um carregamento de soja em Primeiro de Maio (PR), prestes a viajar para Londrina, a 63 km dali.
“Tem uns 50 caminhões aqui. Carregar caminhão é como estar num baile, numa festa. Sempre fico reservado. Tem dois caras com suspeita [de Covid], que iam fazer exame hoje. Às vezes a pessoa está inocente, e está passando [a doença] para o outro”, afirmou.
Apesar de terem sido incluídos na lista de prioridades do Plano Nacional de Imunização, os caminhoneiros ainda não têm previsão de quando começarão a ser vacinados contra a Covid e, por isso, pressionam o governo. O Ministério da Saúde estima em mais de 1,2 milhão o número de caminhoneiros em todo o Brasil.
A CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos) enviou um ofício ao Ministério da Saúde em 5 de abril solicitando que “com a maior brevidade possível, seja definido o cronograma de imunização contra a Covid-19 dos transportadores rodoviários autônomos de cargas, em consequência, todos os profissionais do setor de transporte de cargas”.
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